O trabalho, publicado na revista científica Alzheimer’s & Dementia, acompanhou cerca de 300 idosos sedentários com comprometimento cognitivo leve ao longo de 12 meses.
Este estudo destaca a importância de intervenções precoces em pessoas que ainda não foram diagnosticadas com demência, mas que já apresentam sinais de comprometimento, especialmente da memória. De acordo com os autores, mesmo atividades físicas de baixa intensidade, como caminhadas, mostraram benefícios significativos na preservação da função cerebral.
Contexto e importância do estudo
O Alzheimer é a forma mais comum de demência, afetando milhões de pessoas em todo o mundo. Identificar métodos para atrasar ou prevenir a progressão da doença é, portanto, uma prioridade global em saúde pública.
Pessoas com comprometimento cognitivo leve amnésico — uma condição caracterizada por queixas subjetivas de memória e comprovado declínio objetivo da função — têm um risco particularmente elevado de evoluir para Alzheimer. Estima-se que cerca de 16% dos indivíduos com essa condição desenvolvam a demência a cada ano.
A prática de exercícios físicos já é reconhecida por seus múltiplos benefícios à saúde geral, incluindo a melhoria do humor, da saúde cardiovascular e da função metabólica. Contudo, ainda existe um intenso esforço para entender como e em que intensidade o exercício pode impactar especificamente a saúde cognitiva em populações vulneráveis.
Foi nesse contexto que a equipe liderada por Aladdin Shadyab, mestre em Saúde Pública e professor associado da Faculdade de Medicina da Universidade da Califórnia em San Diego (UC San Diego), desenvolveu este estudo de acompanhamento, juntamente com a pesquisadora Laura Baker, da Universidade Wake Forest.
Metodologia do estudo
O trabalho foi estruturado como um dos maiores ensaios clínicos controlados sobre o tema já realizados até hoje. Participaram do estudo cerca de 300 idosos que estavam sedentários no início da pesquisa e que apresentavam comprometimento cognitivo leve.
Os participantes foram divididos em grupos para realizar atividades físicas de diferentes intensidades:
- Exercícios de baixa intensidade (como caminhadas leves);
- Exercícios de intensidade moderada/alta.
As atividades foram praticadas de três a quatro vezes por semana, durante um ano completo.
Os cientistas mediram uma série de variáveis relacionadas à saúde dos participantes, como:
- Função cognitiva geral;
- Volume cerebral, com especial atenção ao córtex pré-frontal;
- Comparação com grupos que permaneceram sedentários.
A análise buscou avaliar se a prática de exercícios, independentemente da intensidade, seria capaz de preservar a função cerebral e retardar a progressão do comprometimento cognitivo.
Resultados principais
Os resultados do estudo foram animadores. Em geral, a função cognitiva dos participantes se manteve estável ao longo dos 12 meses em ambos os grupos que realizaram exercícios (tanto os de baixa quanto os de moderada/alta intensidade).
Mais especificamente, os principais achados foram:
- Preservação do volume cerebral: A prática de exercícios ajudou a minimizar a perda de volume no córtex pré-frontal, uma área crítica para funções como planejamento, tomada de decisão e memória.
- Menor declínio cognitivo: Tanto os exercícios de baixa quanto os de maior intensidade foram associados a um declínio cognitivo significativamente menor em comparação com o grupo sedentário.
- Importância da regularidade: A prática consistente ao longo do tempo (pelo menos três vezes por semana) foi essencial para alcançar esses resultados positivos.
Esses dados reforçam a ideia de que o exercício físico funciona como uma espécie de medicamento natural para a saúde cerebral, com capacidade de proteger o cérebro contra os efeitos do envelhecimento e da progressão do Alzheimer.
Implicações práticas
O principal impacto prático dessa pesquisa é que intervenções relativamente simples, como incentivar caminhadas leves, podem fazer uma grande diferença na trajetória de pessoas em risco de desenvolver Alzheimer.
Muitas vezes, indivíduos idosos ou com limitações físicas podem sentir-se desencorajados a praticar atividades por acreditarem que seria necessário um esforço físico intenso para obter benefícios. Este estudo, contudo, mostra que mesmo exercícios suaves já são eficazes para proteger a mente.
Segundo Aladdin Shadyab, “exercícios regulares de intensidade, mesmo que baixa, podem ajudar muito os idosos a retardar o declínio cognitivo, e esta é uma notícia extremamente promissora para aqueles com alto risco de demência”. Ele enfatiza que é possível agir antes que a demência se instale, oferecendo melhor qualidade de vida por mais tempo.
Para Shadyab e seus colegas, a janela de oportunidade é “crucial” — uma vez que essas pessoas ainda não foram diagnosticadas com demência, mas têm potencial elevado de progressão. Com uma intervenção relativamente simples como a introdução de atividade física regular, é possível mudar o curso da doença para muitos pacientes.
A visão dos pesquisadores
Laura Baker, principal autora do estudo e professora da Faculdade de Medicina da Universidade Wake Forest, destacou a importância histórica do trabalho. Segundo ela, esta foi a maior pesquisa rigorosa já realizada em adultos com comprometimento cognitivo leve.
Baker ressaltou que, embora o exercício físico seja amplamente reconhecido por seus efeitos benéficos em quase todas as áreas da saúde, a exploração do exercício como “medicamento” para preservar a memória ainda é um campo em crescimento.
Ela acredita que o estudo abre portas para a adoção de políticas públicas e programas de saúde que incluam programas de atividade física personalizados para idosos, focados na prevenção em vez de apenas no tratamento dos sintomas da demência.
Considerações sobre a intensidade e acessibilidade
Outro aspecto relevante abordado na pesquisa é a questão da acessibilidade dos programas de exercícios. Muitas vezes, atividades físicas intensas podem ser impraticáveis para idosos, especialmente aqueles com limitações físicas, dores crônicas ou comorbidades.
O fato de que atividades de baixa intensidade já proporcionam benefícios cognitivos substanciais torna as estratégias de prevenção mais acessíveis e viáveis para uma parcela maior da população idosa.
Isso também pode motivar profissionais de saúde, cuidadores e familiares a encorajar a prática regular de exercícios, mesmo que em ritmos mais leves e adaptados às capacidades individuais de cada idoso.
Reflexões futuras
Apesar dos resultados positivos, os autores do estudo reconhecem que ainda existem muitas questões em aberto:
- Qual é a melhor combinação de tipos de exercício para maximizar os benefícios cognitivos?
- Existe um “tempo mínimo” de prática que seja necessário para obter efeitos protetores?
- Como diferentes perfis genéticos podem influenciar a resposta ao exercício físico em termos de proteção cerebral?
Essas e outras perguntas serão abordadas em futuras pesquisas, mas o consenso atual é que qualquer movimento é melhor do que nenhum movimento quando se trata da saúde do cérebro.
Conclusão
O estudo conduzido pelas universidades de San Diego e Wake Forest oferece fortes evidências de que a prática regular de exercícios físicos, mesmo leves, é uma estratégia poderosa para retardar o declínio cognitivo em idosos com risco de desenvolver Alzheimer.
Além de proteger a função cerebral e preservar o volume em áreas-chave como o córtex pré-frontal, os exercícios de baixa e moderada intensidade mostraram reduzir de maneira significativa a progressão de déficits cognitivos ao longo de 12 meses.
Este trabalho reforça a importância de intervenções precoces e acessíveis, trazendo uma nova perspectiva para a prevenção da demência e para a promoção da qualidade de vida na terceira idade.
Como mensagem principal, o estudo deixa claro que nunca é tarde para começar a se movimentar — e que até mesmo simples caminhadas podem ter um impacto profundo no futuro da nossa saúde mental.
Fonte: Conteúdo baseado em matéria publicada pelo portal Folha de Pernambuco.